20 dezembro 2023

2023: Looking back

Agora que já nada mais de relevante deve sair até que se vire a cortina de 2023, aqui ficam algumas escolhas resultantes das audições dos álbuns saídos durante o ano. Sem grandes comentários, que a escolha de música é um ato pessoal e intransmissível.
Em 2023 fez-se grande música, como é costume. Alguma da melhor musica que ouvi veio do cruzamento de linguagens. Seja no caso do folk gótico dos Lankum ou na musica borderline de Jaimie Branch. Mas outra vem só da tradição, como é o caso dos Stones.
Como é costume também, o futuro fez-se do passado e de re-visitar ou re-editar obras maiores que estavam esquecidas ou simplesmente não estavam disponíveis.
Uma nota final: acontece-me sempre a mesma coisa. Penso que já identifiquei algumas das melhores propostas do ano, e depois começo a revisitar o que saiu e começam a sair as listas e há sempre mais alguma coisa para ouvir e que até devia estar na minha lista. É um trabalho nunca acabado, mas tem que acabar alguma vez: restringir aquilo que se conhece e não querer abraçar a complexidade. Esta é a lista provisoriamente definitiva.

Novos

Ahoni – My Back was a Bridge for you to Cross
Alabaster DePlume - Come With Fierce Grace
Arooj Aftab, Vijay Iyer, Shahzad Ismaily – Love in Exile
Baaba Maal – Being
Corinne Bailey Rae – Black Rainbows
Jaimie Branch – World War
Lankum - False Lankum
Lisa O’Neill - All of this is Chance
Paul Simon – 7 psalms
The Rolling Stones – Hackney Diamonds
Yo la Tengo – This Stupid World
Yussef Dayes – Black Classical Music

New Old Stock

Les Rallizes Dénudés – Città 93

Reedições

Pharoah Sanders- Pharoah (1975)
(imagem gerada pelo Dall-e)

30 outubro 2023

Roger Powell, Cosmic Furnace (USA, 1973)


Some of the electronic creators got a bit carried away by the wonders of electronics. Without questioning their technical ability and their engineering skills, and talking just about the music, they sometimes forgot about the meaning. The form is there, you can hear the intentions, but can’t feel the click. One of the big, big examples of this is Patrick Moraz, with the work he did on Refugee and then in his solo work, especially on the ominous “Story of I”. I bought his record as a young adult, hated it, sold it, and bought it again as declining adult just to confirm that my young self was right. It’s just too much self-indulgence.

Some would say that Rick Wakeman went the same way at some point, and they are right. When you are very good at your instrument it’s easy to indulge if you don’t know where your north star is. And he got carried away with all sorts of insignificant stuff that came to his mind. He got lost in ambient music and endless recreations of his former greatness (YES stuff and some of his early solo work).  

Some would say Keith Emerson did the same. I’d argue that Keith is a few notches above all the others, but yes, when the 80’s came everybody was a little foolish and wanted to be a keyboard star, 80’s style, even if they already were. But he is not to be confused with Walter-Wendy Carlos. Or others that will go nameless.

Some would say that Vangelis also went down that road. Have you heard his albums with Jon Anderson? ¾ of it could go down the drain and nobody would notice. But there’s all the rest, and although he wasn’t a wizard, he had feeling and emotion – even in his cold wave period (Albedo 0.39, for instance). And he was an explorer, moving from pop to emulation of symphonies to free jazz exploits (Hypothesis). He may have not got there totally, but he lived trying; and in many ways he got there (e.g. Blade Runner). So, there I’d disagree.

And then there’s Roger Powell. Protegé of Mr. Moog himself, player with Todd Rundgren and Utopia, Rainbow, Meat Loaf and Bowie, he had a lot of Powell on his hands. In 1973 he just set free this first solo release. It is a like a Chinese restaurant table where you get to mix a lot of different plates. Some seem tasty at the beginning, them a bit sugary, and you leave it on the plate. Some are just strange (chicken feet with oyster sauce? WTF? Etc). Some you just lose interest. So, what looked like an interesting tasting experience becomes boring.

Sometimes it’s the recipe, sometimes it’s the cook, or the ingredients. But in the end what reaches your palate is what you taste, and what you react to. On Trip Advizer (sorry, Julian Cope) this would get a 2,5.

14 novembro 2021

A brava dança dos heróis substitutos - Tangerine Dream e o Eterno Devir



Pode uma banda que já não tem nenhum elemento original carregar com distinção o facho da música feita pela banda original?

Pode. Uma das provas a exibir é a verão atual dos Tangerine Dream, tocando temas da década de 70 / 80. Depois de desistir de acompanhar a produção galopante e de qualidade mediocriana da banda, os últimos álbuns, muitos sessões live, têm sido uma boa surpresa. Conseguem manter o feeling do período clássico ao mesmo tempo que o modernizam e, aspeto não desprezível, melhorar o som. Recomendo este de 2019, o 72ª da banda. Isto, claro, para quem se revê em sons planantes, melódicos e repetitivos com tendência para induzir a abstração.

24 janeiro 2021

LOCOMOTIVE - WE ARE EVERYTHING YOU SEE


Da série Bandas que deveriam ter tido mais sorte na vida" temos hoje os Locomotive. Os sessenta e inícios de setenta foram pródigos em projetos que não produziram vinil ou o fizeram em doses de filho único. Demasiada efervescência, fervilhar de ideias e movimentações próprias de um período de grande criatividade fizeram com que muitos projetos não chegassem a amadurecer o suficiente para convencer as editoras ou foram alvo de estratégias editorias que não os privilegiaram, ou eles próprios não conseguiram solidifcar a banda o suficiente, ou pura e simplesmente eram one man show bands que não se aguentaram. No caso dos Locomotive parecem não ter tido sorte com o apoio da editora (Parlophone, do grupo EMI) e o líder, Norman Haines, rapidamente passou ao grupo com nome próprio, Norman Haines Band. Eram músicos do circuito ao vivo que tiveram algum sucesso com singles de ska e finalmente tiveram a oportunidade de gravar um longa duração, já mais virados para o rock progressivo.

Fortemente ancorados nos teclados de  e com um baixo expressivo e competente o seu som é muito marcado pela secção de metais, fazendo às vezes lembrar uns Blood Sweat & Tears mais ousados. O disco encaixa muito bem na época e certamente merecia muito melhor público. O tema Mr. Armageddon chegou a ter algum sucesso, mas rapidamente passou para o lado B da História. Injustamente, para uma banda que criou um som próprio, tem boas composições e músicos acima da média.

Hoje é mais um dos que a primeira edição se vende a preços pornográficos e não há reedições recentes. Felizmente está disponível nas plataformas digitais.


10 outubro 2020

Prato do Dia: improvisação à francesa



Não gosto de rótulos porque, se servem para situar, servem também para afastar; e portanto o rotulo de RIO (rock in Oppostion) aposto a estes franceses pode afastar quem à partida “não gosta” de bandas RIO. Sendo sabido que RIO era precisamente um movimento que se opunha à ditadura do gosto das editoras musicais, muitos eram, nos 70, os fãs da chamada musica progressiva que não nutriam especial carinho por bandas pouco alinhadas com um género que, também ele, tem os seus cânones e panteões, para não dizer os seus próprios estereótipos.

Em vez de RIO digamos apenas que são uma banda de rock a tender para musica largamente instrumental e digressiva. “Digressiva” assinala o gosto por deixar os instrumentos falar num determinado contexto musical que é lançado: por exemplo, uma base de baixo, bateria e órgão a deixar um sax à vontade para improvisar. Quando se fala de improvisação, pensa-se logo em jazz, como se só e apenas no jazz se improvisasse. Mas diga-se que nem o jazz é musica (só) improvisada, nem obviamente o rock é desprovido  de “improviso”. Que não se deve confundir com o solo, porque, se o solo é o tomate no centro da salada do tema rock setentista normalmente tem tudo menos improviso: é estruturado, pensado e desenvolvido para ser repetido muitas vezes. E to cut a long story short estes Plat du Jour são uma banda rock com um gosto definido pelo desenvolvimento instrumental dos temas.

Talvez a capa desenhada, a branco e preto, com destaques a vermelho contribua para a associação com a “oposição”, já que vemos uma figura demoníaca de esgar escarninho com o que parece ser um blusão de cabedal à punk mas sem calças, terminando as pernas nuns cascos e sem esquecer as proeminências masculinas em evidência. Figura que nos seus pezinhos de cabra está nu meio de uma fogueira em que ardem instrumentos destruídos de uma banda rock e ao lado de um caldeirão de onde se espalhou o fogo. A origem da capa é revelada na contra-capa, onde o demónio mexe o caldeirão com instrumentos lá dentro. A destruição do rock, ou uma boa poção derramada sobre o mundo para o subverter.

E quem assim ousa? Sete músicos que cometeram este único álbum  em 1977, que merecia melhor sorte que ter desaparecido sem deixar rasto durante décadas, para ser re-editado em 2016 pela Mellotron Records em LP e pela Paisley Press em CD. Vincent Denis (voz, guitarra), Rodolphe Moulin (baixo), Oliver Pedron (percussão), François Ovide (percussão, que também tocou com Albert Marcoeur, Weidorje, Gwendal e John Greaves), Alain Potier, agora chamado Granville) que também tocou nos So & Co (saxofone), Jacques Staub (teclados. percussão) e François Maze (voz).

Que dizer da musica? Bons musicos, com óbvio gosto pela exploração em direcção ao jazz (por vezes na vertente atmosférica de in a Silent Way), mas sem sair da linguagem do rock. Bom interplay entre eles. Temas fortes, angulares, frequentemente com um bom Groove. Às vezes Vincent Denis junta vocais em semi-falseto como em “Zilbra”. A sua guitarra é rockeira, parece às vezes que os riffs saem do hard rock. 6 temas no total para álbum coeso e exploratório, que dá gozo ouvir e seguir e que deve apelar a quem goste do rock mais fora da caixa.

28 abril 2020

Dennis, The Menace, creates a secret album on a German Hill


There is a mist around this record that probably begins at the cover. An inexpressive building at the top of a hill. A building where the windows are also inexpressive, like muted windows.  It starts with rail station announcements, just as Agitation Free’s “Malesch” starts with a proposal to fly: “You drive the aeroplane, I play the drums”. What follows is indeed a trip, but a quiet trip. On the second track, a low plane flies above us. The music starts. It is just an exploration, it could be a home jam. The quality of the recording is not great. Nevertheless, it has that obscure flavor of a private session; something you were not supposed to witness but slipped out in a form of and 8-track tape. Then you realize that the musicians come from such groups as FRUMPY, THIRSTY MOON, XHOL, TOMMORROW'S GIFT and OUGENWEIDE. For the newbie in German 70’s progressive music, they are not the most shiny ones on the pack. But they ensure great diversity. And as you listen, you notice a sense of adventure, side by side with the sense of abandonment. Side 2 begins with Fender Rhodes and flute that are not faraway from the first Return to Forever album. Then you read the comments on the back cover “don’t take it too seriously”. This could be the Sinatra’s “In the Wee Small Hours of the Morning” in a parallel dimension. This could be Nina Hagen’s children lullaby. This could be a frozen Earthbound. This could be a new wave of Soft Machine’s Fourth. This could be something that you are not meant to listen. But you did. And so…

19 abril 2020

Dos YES para a Amazónia - Carioca & Devas - "Mistérios da Amazónia", Brasil 1980




Saltando de um passado de rock progressivo, o Carioca Ronaldo Leite de Freitas não era um novato quando decidiu dedicar-se unicamente aos sons acusticos. Começando por ser um cantor, tornou-se rapidamente um guitarrista experiente e criativo. Neste seu primeiro álbum a solo, auto financiado num esquema de crowd funding avant la lettre (vendeu os 1.000 exemplares a discotecas antes de o gravar), toca guitarra de 6 e 12 cordas, bandolim e cítara nordestina. É acompanhado por dois companheiros do seu antigo grupo, Devas, Sérgio Otazanetra na percussão e Fernando na flauta e no piano, assim como pelo experiente Zé Eduardo Nazário, que trabalhou antes com Milton Nascimento, Hermeto Pascoal ou Gismonti e ainda por Guedes (?) no baixo e vozes diversas.

O resultado é um disco místico, tropical, lírico e aventureiro, que estabelece pontes com o trabalho de Milton Nascimento e sobretudo Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos.

Carioca - alcunha que ganhou quando migrou do Rio de Janeiro para São Paulo - trabalhou também como professor de música, arranjador, compositor para teatro, dança e filmes e acabou a viver na Suiça para acomodar as necessidades das digressões constantes na Europa.

Reedição recente da alemã Altercat Records com todos os cuidados que a obra merece.




21 março 2020

Toto Blanke - "Electric Circus"


De todas as musicas que emanaram da Alemanha nos anos 70 e que surpreenderam (tardiamente) o mundo dominado (menos antes do que agora) pelo som Inglês e Americano über alles, a de Toto Blanke não é das mais conhecidas. Fazendo parte desse fermento criativo que quebrou as barreiras das linguagens e buscou (quase) sempre novas vias, quando não avenidas, Toto é guitarrista e tocador de banjo e foi membro anteriormente do Association P.C. com o mesmo Jasper Van Hoft que toca orgão neste disco (e que também fez parte dos Pork Pie), grupo mais virado para o jazz rock, começou por lançar a solo Spider's Dance, mais na linha do trabalho anteriormente feito.

Com este segundo a solo de 1976 abraça uma fusão peculiar e bem sucedida entre rock, jazz e eletronica.  Adiciona à guitarra e ao banjo os sintetizadores, sequenciadores, echoplex e na verdade eles sobrepõem-se às cordas, eletricas e acusticas e é deles que emana o encanto da obra. As malhas de fundo que às vezes lembram outros contemporâneos da eletronica (no tema de abertura "Ppg" ou em "Minister Ed" lembra os Tangerine Dream, por exemplo), mas as composições não são digressões instrumentais infinitas, embora haja bons solos.  Pelo contrário, são relativamente curtas (fora dos cânones pop), e estruturadas. Lembra por vezes Eroc (baterista dos Grobschnitt) na forma descomplexada e variada como aborda a composição, embora tenha uma componente jazz muito mais pronunciada. Mas é dificil estabelecer vínculos definitivos e inspirações programadas. As associações que se vão fazendo ao longo da audição são mais um ponto de chegada do que um ponto de partida e molde do tema. No excelente Arabab,  começa com um baixo eletronico no baixo moog e evoluiu para um som funk que não estaria nada deslocado no "Visions of the Emerald Beyond" dos Mahavishnu. Já em Minister ED, o banjo divaga sobre uma bateria autoritária (do Finlandês Edvard Vesala, que assinou alguns albuns para a ECM) e um sequenciador esvoaçante...

Participam com ele além dos já mencionados, o baixista Dave King. As composições são todas de Toto, exceto o tema Flowers All Over de Hof't e a edição é do swirling label, Vertigo.

Um disco curto, com 7 temas, que é relativamente desconhecido e que tem potencial para ser um clássico alemão. Com a vantagem de que ainda não implicar  despender as largas somas de dinheiro de outras primeiras edições da época.



30 julho 2019

Haizea - Haizea (Prog Folk)



Haizea biography (Prog Archives)

Formed 1975 in Hondarribia, Gipuzkoa, Spain - Disbanded in 1980

HAIZEA means "Wind" in Basque, and were part of the wave of prog folk from that region in the late 1970s. Sporting a sound that could best be described as psychedelic electric folk, the instrumentation consists of guitar (sometimes two), bass, drums, flute, assorted percussion, and the captivating voice of Amaia Zubiria. 

Both albums are very interesting. "Hontz Gaua" is a classic prog free folk item with some Gregorian element, nice female lead and male backing vocals and beautiful atmospheric double bass. Their self-titled debut "Haizea"(1975) is a bit more intimate and is more Fairport-like. Highly recommended.

Haizea disbanded in 1980. Original member Txomin Artola had released an album prior to Haizea and another after he left in 1979. He later collaborated with Amaia Zubiria later on a series of folklore oriented discs in the early 1990s.

16 novembro 2018

A última Takada



MIDORI TAKADA, Culturgest, 16 Nov 2018

De todos os amigos que convidei para ir comigo ao concerto nenhum aceitou; dos que podiam, ninguém a conhecia e os que leram a wiki-descrição não devem ter gostado: percussionista japonesa que mistura influencias orientais e jazz. A descrição é curta, porque no cardápio real entram outros ingredientes, mas por ser mínima rotula também: certamente uma ave rara. E ainda bem que os amigos não foram: teriam ficado chocados, ou desiludidos. O seu concerto foi menos um concerto que uma exploração, um percurso em que ela se move entre sons e os vai percutindo. Pode testar os limites do que se considera música, se estávamos à espera de encontrar estruturas definidas e familiares.
Entrou num palco silencioso anunciando-se por um som mínimo e contínuo que depois se percebeu que emanava de uma espécie de campainha. Passeou-a pelo palco e ela foi ganhando volume e definição. Depois passou a um gongo de metal dourado oco (peço desculpa, mas não conheço aqueles instrumentos), que foi tocando aumentando de intensidade, o que o fez emitir primeiro um som, resultado da batida direta, depois dois, resultado da batida e dos harmónicos provocados pela sequência de batidas e pela caixa de metal (imagino), e depois três, algo no meio dos dois.  Um som que ganhou volume, espessura e carácter hipnótico.  Depois tocou com baquetas em pratos diversos espalhados pelo palco; ora uma só pancada, para lhe revelar o som, ora sequências. Depois passou para o vibrafone imenso, onde criou estruturas repetitivas entrecruzadas (o som “de marca” que lhe ouvimos no seu álbum de estreia). A experiência é certamente absorvente; e fechando os olhos ganha toda uma outra espacialidade. Má ideia num concerto à noite, no final de um dia de trabalho. Passei pelas brasas, ou por um estado intermédio, porque os sons, dotados de hipnotismo, entraram na modorra e foram-se transformando em sonhos.
Parêntesis para falar sobre a tosse: a acústica da Culturgest é admirável, e propaga da mesma forma os sons ínfimos dos pratos de Takada como a tosse do outro lado da sala. Porque tossem tanto as pessoas quando a musica exige silêncio? Será por uma reação incontrolada à necessidade de silêncio?
Ela não disse uma palavra, nem tossiu: saiu como entrou, voltou à sala, inclinou-se e agradeceu, fez um encore e saiu. Muito longe da comunicação dos músicos ocidentais.
Durante o concerto, imaginei-me a entrar numa casa desconhecida, em silêncio e atento ao que se passa nela. Ora se ouvem os sons de fora, através dos vidros, como se houve a canalização da casa, como o som da madeira que range, como se entra numa divisão e há ruido e gente. É um percurso, não é uma música, um tema, um concerto. Muito curiosamente, ou não, dada a associação que MT faz no seu primeiro disco ao pintor Henri Rousseau, eu ouço-a como uma espécie de realismo mágico. As pinturas de Rousseau evocam uma espécie de tropicalismo de salão ,um sentido deslocado. O mesmo sentido pode encontrar-se na música de MT: uma realidade transformada, entrevista ecoada, manipulada pela sua intervenção. O que, a ser verdade, pode justificar o título do álbum: “Through the Looking Glass”.
É certamente injusto reduzir a sua musica a influências orientais e jazz. Ouvi muito pouco jazz, ou nenhum, ouvi um espírito oriental, mas os sons vinham de África e estavam cruzados com o minimalismo, mas do básico, daquele que não enreda sequências infinitas, algumas muito chatas (hello Philip Glass em modo automático). Steve Reich, certamente, do início. Mas o minimalismo é mais uma designação da sua música que a identificação de um estilo. Não é maximalista, é feita de sons mínimos, por isso é minimalista. Mas, se por vezes é sequencialista repetitiva, não é extensivamente sequencialista. O seu trabalho é de exploração do som: como soa uma tarola percutida inúmeras vezes de forma diferente? O que se pode ouvir numa sala escura? E algumas das suas pancadas eram tão débeis que se pode legitimamente interrogar se existiram, no entanto todos as ouvimos (admito que não houvesse na sala espectadores com deficiências auditivas graves…)

Se a ressurreição de MT é um “milagre” como ela própria diz ao Público, fruto de um utilizador do you tube e dos insondáveis algoritmos da aplicação, como se diz no programa do concerto, então é uma ressurreição oportuna e que a vem colocar ao lado de Brian Eno ou Harold Budd,  e abriu o caminho para outras obras totalmente esquecidas, como as de Hiroshi Yoshimura. Na história, um hiato de 30 anos não é nada e felizmente que MT teve a oportunidade de ser reconhecida em vida. Esta noite, na Culturgest, assistiu-se a um nascimento, para o público, e um renascimento (para ela), coisa que não acontece todos os dias…